16 nov Família de trabalhador decapitado em acidente de trabalho será indenizada em cerca de R$ 1,5 milhão
A família de um empregado de uma fábrica de adubos e fertilizantes decapitado enquanto realizava a manutenção de equipamentos receberá indenização por danos morais e materiais em valores que superam R$ 1,5 milhão. A decisão é da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, confirmando a condenação imposta pelo juiz Felipe Lopes Soares, da 3ª Vara do Trabalho de Rio Grande.
O acidente fatal ocorreu durante a limpeza realizada periodicamente no interior de uma “garrafa de ciclonagem”, máquina utilizada para reaproveitamento de resíduos e redução da emissão de gases poluentes na atmosfera. O equipamento é formado por uma estrutura metálica, em forma de funil, que desemboca em uma esteira. Com o tempo, o material tratado se acumula nas paredes da estrutura, sendo necessária a limpeza do sistema.
O procedimento é realizado pelos próprios empregados que utilizam marretas comuns para baterem contra o lado externo das garrafas, e desse modo desprender as crostas da parte interna. A tarefa prossegue até perceberem, geralmente através do som “oco” das batidas, que houve o desprendimento das pedras formadas no interior da estrutura. Para se certificarem que tudo está limpo, são abertas “janelas de inspeção”, que nada mais são do que vãos produzidos pelo corte do metal que constitui as laterias das garrafas, por onde verificam, visualmente, o resultado do trabalho.
No dia do acidente foram designados quatro empregados, dentre ele a vítima, e um supervisor para a realização da tarefa. Ninguém teve visão direta do fato. O primeiro colega a constatar o ocorrido avistou apenas o corpo tombado, já decapitado, ensanguentado e com espasmos. A cabeça foi encontrada no interior da garrafa, junto com o capacete, logo abaixo das pedras e lascas, com ligeiras escoriações, mas sem sinais de esmagamento ou traumatismo de grande extensão. As testemunhas não souberam afirmar se a vítima colocou a cabeça para dentro da janela por curiosidade ou para constatar o serviço realizado.
A família da vítima e a empresa não divergiram quanto ao fato ou às circunstâncias do acidente. A discussão do processo ficou restrita a quem seria o culpado pelo ocorrido. A empresa afirmou que a culpa foi do próprio empregado, que teria agido de maneira imprudente, ao projetar o corpo para o interior da estrutura; a família do trabalhador, culpou a empregadora, por não proporcionar condições seguras de trabalho. Para o juiz de primeiro grau, a responsabilidade pela morte do trabalhador foi da fábrica.
De acordo com o magistrado, as causas diretas para a ocorrência do acidente, considerando depoimentos e documentos apresentados ao processo, foram:
a) a projeção do corpo do trabalhador para o interior da abertura da garrafa de ciclonagem;
b) a provável queda de material (bloco, pedra ou resíduo de fertilizante) no momento em que o trabalhador vistoriava o interior do duto; e,
c) a superfície afiada e cortante da borda da abertura da garrafa.
O juiz aponta ainda causas indiretas que surgem como óbvias para o acidente:
d) a existência de uma abertura nos ciclones em tamanho e formato que permita a projeção do corpo humano para o seu interior, ou, pelo menos, a inexistência de aparato que restrinja essa ocorrência;
e) a falta de investimento em uma estrutura que permita a realização da inspeção em condições menos perigosas;
f) a inexistência de procedimentos com vistas a eliminar as características cortantes nas aberturas dos ciclones.
Feitas essas considerações, concluiu o juiz: “constata-se que o conjunto de fatores que indiretamente determinaram a morte do trabalhador poderia (ou deveria), no todo, ter sido objeto da consideração atenta da reclamada pela sua eliminação. Por exemplo, se as janelas se destinavam, tão somente, à realização da aferição visual e sem a projeção do corpo do trabalhador para o seu interior, não é difícil imaginar a possibilidade de instalação mesmo de redes de proteção em seus vãos, de modo que, simultaneamente, permanecesse viável a inspeção visual necessária e restasse inviabilizada a projeção de qualquer parte do corpo para o interior dos dutos. Esta hipótese, virtualmente, em nada atrapalharia o andamento da atividade de limpeza demandada, mas já seria suficiente para a eliminação da principal causa direta que vitimou o trabalhador”. E acrescenta: “revela tratar-se o problema não de uma circunstância insolúvel, mas sim facilmente contornável mesmo pelos raciocínios mais simples. Assim, já de plano, tenho que a reclamada agiu com culpa decorrente de sua omissão na obrigação de eliminar as causas de prováveis acidentes”.
A empregadora foi condenada a pagar indenização por danos morais e materiais à viúva da vítima, aos filhos menores e à irmã do trabalhador.
A empresa recorreu da condenação, alegando que tomou todas as medidas preventivas mediante fornecimento de EPIs e treinamentos específicos. A relatora do recurso, desembargadora Iris Lima de Moraes, no entanto, aponta que considerando os documentos referentes a treinamentos juntados (que nada especificam sobre o conteúdo das orientações), e ainda o relato das testemunhas (que indicam que não havia cartaz próximo à janela do ciclone alertando para a proibição de se inserir partes do corpo no local, bem como que não havia um memorial descritivo ou procedimento operacional escrito da tarefa de limpeza), tornam “inafastável a conclusão de que a reclamada não tomou todas as medidas de segurança que lhe cabiam, em especial a de garantir a saúde e a integridade física dos trabalhadores e cumprir requisitos mínimos para a prevenção de acidentes”.
A ré ainda interpôs Recurso de Revista, que foi considerado incabível pelo TST. A decisão já transitou em julgado. As partes acordaram o pagamento parcelado da indenização, que em valores atualizados representa R$ 1,4 milhão.
Fonte: Érico Ramos – Secom/TRT-RS