16 jan Acordo coletivo não pode dispensar marcação de ponto do trabalhador, fixa TST
Acordo coletivo não pode suprimir direito previso em norma de ordem pública. Com esse entendimento, a 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho não conheceu de recurso de empresa do setor de metalurgia contra a condenação ao pagamento de horas extras a um motorista fundamentada na invalidade de norma coletiva que previa registro de jornada de trabalho “por exceção”. Os cartões de ponto sem a variação normal de minutos, marcação denominada “britânica” pela jurisprudência trabalhista, foram declarados nulos como meio de prova.
Embora haja previsão legal para o ponto por exceção (portarias 1.120/95 e 373/2011 do Ministério do Trabalho), o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região entendeu que a obrigatoriedade do registro manual, mecânico ou eletrônico da hora de entrada e de saída dos empregados de estabelecimentos com mais de dez trabalhadores, prevista no parágrafo 2º do artigo 74 da CLT, é norma de ordem pública, e não pode ser suprimida mesmo por meio de acordo coletivo.
Segundo a corte, a exigência visa permitir a fiscalização do cumprimento das normas de duração do trabalho, que fica inviabilizada quando a empregadora faz o lançamento automático da jornada contratada, sem a variação normal de minutos.
Direito indisponível
No recurso ao TST, a empresa sustentou que a norma coletiva é válida e que o artigo 74, parágrafo 2º, da CLT não trata de direito indisponível. No entanto, essa não foi a avaliação do relator do processo, ministro João Oreste Dalazen, nem da 4ª Turma. O magistrado lembrou que o princípio da autonomia privada coletiva (artigo 7º, inciso XXVI, da Constituição), que autoriza que os próprios interlocutores sociais criem normas, inclusive com a possibilidade de supressão de direitos em prol de algum outro benefício, “não ostenta feição absoluta”.
Dalazen explicou que as cláusulas negociadas em âmbito coletivo não podem se sobrepor a direitos indisponíveis, como as normas relativas à higiene, saúde e segurança no trabalho e outras relacionadas à própria dignidade humana do empregado.
“O acordo e a convenção coletiva de trabalho, igualmente garantidos pela Constituição como fontes formais do Direito do Trabalho, não se prestam a validar, a pretexto de flexibilização, a supressão ou a diminuição de direitos trabalhistas indisponíveis, no caso, para dispensar a marcação dos horários de entrada e saída do empregado”, enfatizou, lembrando que essa é a atual jurisprudência do TST.
Segundo o relator, com o reconhecimento da invalidade dos cartões de ponto como meio de prova, presume-se verdadeira a jornada informada pelo motorista na petição inicial, nos termos da Súmula 338, item I, do TST, cabendo à empregadora o ônus de invalidar essa presunção, o que não ocorreu.
Jurisprudência do STF
Em 2016, por duas vezes o Supremo Tribunal Federal definiu que é constitucional fazer o negociado prevalecer sobre o legislado. O primeiro caso (Recurso Extraordinário 590.415) teve relatoria do ministro Roberto Barroso, no qual ele deu ganho de causa a um banco que havia feito acordo no qual quitava dívidas com os trabalhadores que não entrassem na Justiça após o pagamento.
Tempos depois, em setembro, o ministro Teori Zavascki citou esse precedente estabelecido pelo colega Barroso para um caso no qual reverteu a sentença de uma empresa que havia sido condenada a pagar horas extras no Tribunal Superior do Trabalho.
“A Constituição prevê que as normas coletivas de trabalho podem abordar salário e jornada de trabalho e se um acordo firmado entre sindicato e empresa não passar dos limites do que é razoável, ele se sobrepõe ao que está previsto na legislação”, disse Teori Zavascki em seu voto.
Porém, logo depois, ainda no mês de setembro, o Tribunal Superior do Trabalho ressaltou que a autonomia negocial coletiva não é absoluta. O entendimento foi firmado em um caso no qual os julgadores disseram que não se aplicava a jurisprudência do STF. Assim, o TST anulou um acordo coletivo que, de acordo com o tribunal, reduzia os direitos dos trabalhadores de uma usina de açúcar.
Opinião do comandante
Em entrevista à ConJur em maio, o ministro Ives Gandra Martins Filho, presidente do TST, disse não defender em todos os casos a prevalência do negociado sobre o legislado. “Defendo que se prestigie a negociação coletiva, como mandam as Convenções 98 e 154 da Organização Internacional do Trabalho e nossa Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso, XXVI. E, no momento em que vivemos, ela está bastante desprestigiada. Ao conversar com parlamentares, empresários e sindicalistas, tenho sugerido que se adote um critério bem claro nesse tema. Que os direitos trabalhistas flexibilizados por acordo ou convenção coletiva tenham, no próprio instrumento normativo, cláusula expressa da vantagem compensatória do direito temporariamente reduzido em sua dimensão econômica, de modo a que o patrimônio jurídico do trabalhador, no seu todo, não sofra decréscimo.”
O ministro Ives é visto por muitos juízes do trabalho e advogados que atuam na área como um oponente. A situação ficou mais tensa após o presidente do TST dizer que a Justiça do Trabalho é muito paternalista e que dá coisas de “mão beijada” para o trabalhador. Na entrevista à ConJur, o ministrou explicou que o não respeito dos acordos entre patrão e sindicato por parte do Judiciário foi o que motivou suas declarações.
“Ouvi a afirmação de que a Justiça do Trabalho tem sido paternalista ao extremo do deputado Ricardo Barros, relator do orçamento e responsável pelo substancial corte no orçamento da Justiça do Trabalho. Disse-lhe, à época, que não lhe tirava inteiramente a razão, pois em dois pontos lhe faço eco, que são o intervencionismo exacerbado da anulação de inúmeras convenções e acordos coletivos de trabalho perfeitamente válidos à luz da jurisprudência do Supremo”, disse o ministro.
Necessidade de reforma sindical
Uma opinião que corre no meio jurídico é a de que, antes de se estabelecer que o negociado pode prevalecer sobre o legislado, é preciso fazer uma reforma sindical. O receio é que a falta de liberdade sindical faça com que o sindicato vire um órgão que apenas referende as vontades da empresa sem levar em conta o lado do trabalhador.
Ao assumir a presidência do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, o maior do país, o desembargador Wilson Fernandes falou sobre a necessidade do fortalecimento sindical para esse novo entendimento. “O maior desafio do país é criar emprego e não acredito que uma mudança na legislação no sentido de criar essa prevalência vai ajudar a solucionar o problema do desemprego. O negociado sobre legislado só se compreende num contexto em que temos entidades”, disse.
Para o advogado Roberto Parahyba Arruda Pinto, presidente da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas, o negociado sobre o legislado da forma como está posto é uma tentativa “por via transversa” de se suprimir direito dos trabalhadores. “Eu acho que essa questão tem essa pré-condição, de primeiro fazer essa reforma sindical, fortalecer as entidades sindicais. No atual contexto que nós estamos vivenciando, acho absolutamente inviável. Em última análise vai acabar acontecendo via transversa a redução dos direitos consagrados na CLT, e a CLT consagra direitos que nós chamamos de ordem pública, indisponíveis e irrenunciáveis. A ideia, por via transversa, é que esses direitos mesmo passem a ser negociados via negociação coletiva. A razão de ser da negociação dos acordos e convenções coletivas é no sentido exatamente diverso desse que está sendo agora proposto. É para melhorar as condições do trabalho. Então tem a legislação heterônoma que estabelece direitos mínimos para o trabalhador e esses direitos poderiam ser ampliados e não diminuídos. E agora estão querendo utilizar esse instrumento em um sentido exatamente oposto”, disse. Com informações da Assessoria de Imprensa do TST.
Processo 12184-33.2014.5.03.0084
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 10 de janeiro de 2017, 14h55.